sexta-feira, julho 10, 2009

As sem razões da escrita
Daline Rodrigues Gerber, 2006.

Luto contra e a favor do tempo, escrevo por isso... Ele vai modificando tudo o que existe ao redor, é o Deus mais sagaz e voraz. Necessário, combatê-lo é inter-agir com sua maldade e abraçá-lo nos segundos líquidos de sua nascente. Junto do tempo eu grito, mas o meu grito some, acaba, morre, ele não, e quando sinto alegria, amor, contentamento, logo seu movimento vai arrebentando horizontes, fazendo de meus olhos descontentes ou tornando-os inexplicáveis, inalcançáveis, voltados à alma escura e invisível .

O que fica de mim neste mundo, oh, Deus impiedoso? Fica um pouco de meu queixo no queixo de minha filha? Que filha? “Nada fica de nada”... Mas eu escrevo, eis o meu mais valioso trunfo: minha filha é a poesia. Não tão cega é a esperança de que ela seja eterna, mas é cega a vontade de pari-la e dá-la a qualquer um, como uma mãe sem compaixão, no entanto estranhamente orgulhosa...

Os paradoxos são eternos, eu e Cronos os conservamos. Vê, então, digo, pois, que, depois de mil anos de minha existência, o tempo que corre, foge, segue como uma flecha caindo num abismo, preserva na humanidade os antigos e repetidos paradoxos (rocha inquebrável)... E quem disse que o seu paradoxo, homem do ano 3.000, não é como o meu, mulher de 2.006? E quem disse que o seu não é o meu? Repara que o seu conflito, sua crença, seu amor, seu ódio é o meu personalizado, é um novo texto a existir só por ter existido o meu e os de outros seus antepassados... E os textos existem fora do papel, ou não seria a própria vida um texto? Mas quando a vida é só vida e não é, também, arte, nem tão bonita, significante ela pode parecer, talvez, cá entre nós, ela nem seja mesmo. Eu faço arte hoje para viver por inteiro e para ver se, quem sabe, alguém ame minha caveira, como amo a de Drummond, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, etc. Já posso ouvir meus ossinhos batucando de tanta alegria dentro do caixão por causa destes amores que, sem esta minha mania de registrar pensamentos, não seriam possíveis. Do caixão mando um beijo a todos, a recíproca é verdadeira.

Deus me livre não escrever! Quando eu mesma posso ser minha analista, por que ficar horas falando, falando com um psicólogo? Sem falar, eu não me permito dar vazão a minha alma, sem dúvida, mas, a medida em que escrevo, ato narcísico e filosófico, releio o que disse e registro uma faceta minha que nunca antes se revelara, e, assim, quando tudo parece que já foi dito, me permito dizer e achar outra coisa. Quando utilizo o verbo ser, engano a mim, defendendo e definindo um ponto de vista, construo uma retórica e uma catarse. Depois, utilizando o verbo ser novamente, descontruo a tudo o que foi dito e redefino coisas indefiníveis.. Acredito que a interação do homem com as possibilidades gera vidas muito mais sanas e satisfeitas. Se no mundo real não posso voar sem asas, farei isso, satisfatoriamente, no meu quarto com meu caderno e caneta e me sentirei muito feliz. Agora, faça o favor de não abafar a voz das minhas possibilidades, porque não pedi sua opinião, ora bolas.

Poder? Sim, adoro o poder que as palavras me dão, mas repudio o uso esdrúxulo delas, num sentido mais político, se é que vocês me entendem. Há que se ter cautela ao se drogar com poder, pois ter poder é bom como fazer amor, entretanto o importante nisto é amar e amar, com o pensamento e sentimentos voltados para o bem de si e do ser amado. Quando nos fazemos egoístas, destruímos o próprio amor, tornamo-nos poderosos negativamente... Tudo em excesso causa prepotência e destruição. Escrever é fingir, deixamos de falar em nome da verdade para construir uma. Escrevemos e falamos, portanto, ilusões, se estas ilusões quando atingem ao outro, o libertam, eis que o bem se fez. Se as ilusões se lançam para enganá-lo e aprisioná-lo, eis que o mal do poder mostrou suas garras de fera cruel.

Não gosto de escrever impessoalmente sobre literatura, queria poder falar dela com mais autonomia, fazendo minhas próprias leituras e descobrindo as outras bem depois. Impossível eu ler exatamente igual a algum teórico sobre uma obra, só se fossemos a mesma pessoa. Não sei por que as referências fazem-se tão importantes para elaborações de teses, apóio a idéia de citarmos num trabalho acadêmico apenas os teóricos que foram lidos, havendo citação de um ou outro se for necessário, pois quem sabe escrever de verdade não evoca o tempo todo idéias alheias, não as repete, mas as transforma em novidade boa, gostosa, preciosa. A teoria explica a literatura, não como a matemática aos números, esta resulta em exatidão de cálculos, aquela na captação da subjetividade de um sujeito, resulta em outro texto (NOVO), em possibilidades interpretativas, se o leitor – critico não se posiciona independente e põe-se a escrever com outros trezentos livros abertos para que dali surja a sua idéia, sua escrita não será livre e muitas vezes se tornará mecânica, para mim, escritores técnicos demais não são escritores, mas escreventes (repetidores de formas e conteúdos), como diz Roland Barthes. Teorias da literatura não deveriam ser ensinadas na escola, mas bem antes delas, os alunos deveriam poder se fartar de tanto ler, ler bobagens ou seriedades, aprender sintaxe lendo, gramática caipira, nordestina, clandestina, normativa.

A menina dos olhos meus é a poesia, Deus, como sou fraca diante dela. Lê-la ou escrevê-la é como levar sustos dos mais violentos, dói profundamente a alma, faço-me mais gente, mais humana... Ela é o avesso do homem, onde ninguém toca, onde todas as dores gemem silenciosas, faz-se o poeta seu ouvidor, maldito fofoqueiro a revelar segredos: ventos e moinhos da humanidade. Sou poeta que chora diante do papel, a cada poema escrito dou-me a violência de um tapa, deixo ali a marca das minhas lagrimas, fotografia de minha alma.
Volto ao tempo. Sou este raio de luz a escurecer o papel com as tintas do infinito. Sopro meu vento, sou o meu tempo, escrevo, escrevo para olhar-me nua, dar-me qual uma prostituta ilegal que ama a todos os homens, ser inexplicável. E os escritores são como “Genis”, amantes da vida e da morte, oferecem suas sutilezas ou brutalidades e não se protegem das pedras dos tolos surdos enraizados na escuridão da caverna... Somos uma meia luz que incomoda, as pedras não nos machuca, pelo contrario, a falta de suas miras é que nos assusta

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