domingo, dezembro 18, 2005

O BOM BRASILEIRO


O BOM BRASILEIRO
(Por Daline R. Gerber)


Sentados, num barzinho, os bêbados conversavam entre si:
– Brasileiro bêbado é que é brasileiro bom!

– Num instante fica valente, perde o medo dos polícia; podes crer, brasileiro bêbado é que é bom.

– Então vamos beber mais uma, mais mil!

Logo um senhor de preto aproximou-se e perguntou:
– Com licença, algum de vocês está de carro?

– Sim – todos responderam em coro.

– Que bom, porque, para mim, brasileiro bom é brasileiro morto!

– Mas por que seu bêbado nojento?

– Eu não estou bêbado, só vim até aqui comprar um cigarro, aí me deparei com um bando de homens falando bobagem, jogando conversa fora e achei que pudesse dar minha opinião sincera e desprovida de qualquer insinuação perversa.

– Então, fala logo, antes que eu te encha de porrada agora mesmo.

– Pois bem, em primeiro lugar falarei dos brasileiros que gostam tanto de futebol, que dispensam uma noite de amor com suas lindas esposas, é bom que eles morram logo para deixarem as pobres mulheres livres dessa infame fome de bola.

– Hei, todos os brasileiros gostam de futebol, você quer que todos morram?

– Calma, nem todo brasileiro gosta de futebol. Eu, por exemplo, não gosto.

– Você não conta, seu esquisito.

– Por outro lado, interrompeu ele, dizem que brasileiro não é racista, porém tivemos agora prova cara de que isso não é verdade, por isso quero que você morra!

– Eu vou te arrebentar seu...

– Quieto, deixa esse maluco acabar, depois a gente pega ele de jeito.

– Direi agora desse pessoal envolvido com política que trabalha horas e horas escrevendo no papel a melhor forma de roubar o dinheiro do povo e todos eles são brasileiros como vocês e merecem a morte.

– Cara, você é um porre!

– O que vocês querem que eu diga seus bêbados infelizes? – Perguntou com raiva. – Vocês sairão daqui trocando as pernas, entrarão no carro, baterão no poste e me farão feliz. Os bêbados levantaram prontos para surrar o homem:

– Você está muito engraçadinho, vamos ver se a sua cara fica assim depois de um soco.

– Calma aí, seus valentões, eu também sou brasileiro e tenho defeitos...

Os bêbados pararam, olharam um para o outro e falaram:
– Diga, então, mas é a sua última chance.

– Sou um brasileiro diferente, o tempo todo vejo gente morta, pois é meu trabalho enterrá-las, sinto que elas só assim ficam em paz, já que são incapazes de em vida viver assim respeitando as leis e aceitando a opinião alheia... Eu tenho defeitos, além de fumar, um dia, talvez, não esteja vivo para enterrar cada um de vocês.


{ Rio de Janeiro,18 de dezembro de 2005. / Por D. Gerber }


CHEIO DE VAZIO (Paulinho Moska) / UMA INTERPRETAÇÃO CHEIA DE VAZIO (Daline Gerber)















Cheio de Vazio

Letra e Música: Moska
O vazio é um meio de transporte
Pra quem tem coração cheio
Cheio de vazios que transbordam
Seus sentidos pelo meio
Meio que circunda o infinito
Tão bonito de tão feio
Feio que ensina e que termina
Começando outro passeio

E lá do outro lado do céu
Alguém derrama num papel
Novos poemas de amor

Amor é o nome que se dá
Quando se percebe o olhar alheio
Alheio a tudo que não for
Aquilo que está dentro do teu seio
Porque seio é o alimento
E ao mesmo tempo a fonte para o desbloqueio
E desbloqueio é quando aquele tal vazio
Se transforma em amor que veio

Lá do outro lado do céu
Alguém derrama num papel
Novos poemas de amor

Do outro lado do céu
Alguém derrama num papel
Novos poemas de amor

O vazio é um meio de transporte
Pra quem tem coração cheio















Uma interpretação cheia de vazio

(por Daline R. Gerber)


O vazio de que Moska fala parece ter relação com a experiência do homem com tudo aquilo que lhe é desconhecido. Este vazio que há em todos os seres humanos procurará, sempre, ser preenchido por conhecimentos. É esta falta (vazio) de conhecimentos que impulsiona cada um de nós a uma busca, sendo que, por mais que esta encontre um preenchimento, ele será superficial e cairá, novamente, neste buraco, sempre incompleto feito de areia movediça. Assim, quando o homem encara de frente o vazio de seu ser, ele percebe que precisa aprender infinitamente, porque nada no mundo é estático, tudo muda com o tempo e o que se vê então se renova frente à paisagem de um novo amanhecer. “– Mas ontem amanheceu.” - Dirão todos. E o que a vida mostra é que o amanhecer de antes nunca será como os que começam a surgir. Por isso, Moska fala que o meio (que no meu modo de entender é o que há a se aprender) “termina começando outro passeio”.

No refrão, a letra aponta para um novo tema: o amor. O que consigo visualizar aqui é a junção do saber e dos sentimentos, pois dentre as tantas coisas que parecem, aos nossos olhos, ultrapassadas, velhas na história da humanidade, são estas sempre novas e podem ser apreendidas e compreendidas de maneiras diferentes em momentos diferentes. Isso se dá com o amor também. Este sentimento não é sempre tão grande, nem tão pequeno, ele é sempre o que não é, ele é mais do que é, ele é um vento forte ou uma brisa suave, enquanto existirmos, enquanto novas gerações surgirem, ele será encarado de um novo jeito. Por isso sempre haverá “Lá do outro lado do céu / Alguém que derrama no papel / Novos poemas de amor.”

“Amor é o nome que se dá / quando se percebe o olhar alheio / Alheio a tudo o que não for / Aquilo o que está dentro do seu seio.” Esta frase parece estar se referindo ao conceito que o senso comum atribui ao amor. Este amor que, para muitos, está na roupa, na aparência, no status social e em tudo o que está exterior, é, por este motivo, “alheio a tudo o que não for”, pois o que somos, de fato, não se parece em nada com esta casca grossa que nos envolve a face. Somos como o amor ou talvez sejamos ele: amorfos, inexatos.

Logo depois, “Cheio de vazio” nos explica que quando “desbloqueamos” nossos olhos diante da visão que temos do outro, conseguimos entender que o amor verdadeiro é interno, entranhado em nossas vísceras, na nossa essência. Ele surge de dentro para fora, como o nosso desejo de aprender, porque dentro de nós o vazio não é oco, mas cheio de vontade de descobrir o que já está dentro de si e que não se mostra, faz charme, finge que vai revelar-se, mas novamente se esconde. Quando experimentamos sugar este leite materno que faz do amor este ato bonito de dentro para fora, ele, finalmente, é sentido e não somente visualizado, pois se concretiza e se transforma “em amor que veio”.

{ Rio de Janeiro,18 de dezembro de 2005. / Por D. Gerber }

quinta-feira, dezembro 15, 2005

O SORRISO DE UMA CRIANÇA



OS DIREITOS DAS CRIANÇAS
Poema de Matilde Rosa Araújo

1.
A criança,
Toda a criança.
Seja de que raça for,
Seja negra, branca, vermelha, amarela,
Seja rapariga ou rapaz.
Fale que língua falar,
Acredite no que acreditar,
Pense o que pensar,
Tenha nascido seja onde for,
Ela tem direito...

2.
...A ser para o homem a
Razão primeira da sua luta.
O homem vai proteger a criança
Com leis, ternura, cuidados
Que a tornem livre, feliz,
Pois só é livre, feliz
Quem pode deixar crescer
Um corpo são,
Quem pode deixar descobrir
Livremente
O coração
E o pensamento.
Este nascer e crescer e viver assim
Chama-se dignidade.
E em dignidade vamos
Querer que a criançaNasça,
Cresça,
Viva...

3.
...E a criança nasce
E deve ter um nome
Que seja o sinal dessa dignidade.
Ao Sol chamamos Sol
E à Vida chamamos Vida.
Uma criança terá o seu nome também.
E ela nasce numa terra determinada
Que a deve proteger.
Chamemos-lhe Pátria a essa terra,
Mas chamemos-lhe antes Mundo...

4.
...E nesse Mundo ela vai crescer:
Já sua mãe teve o direito
A toda a assistência que assegura um nascer perfeito.
E, depois, a criança nascida,
Depois da hora radial do parto,
A criança deverá receberAmor,
Alimentação,
Casa,
Cuidados médicos,
O amor sereno de mãe e pai.
Ela vai poder
Rir,
Brincar,
Crescer,
Aprender a ser feliz...

5.
...Mas há crianças que nascem diferentes
E tudo devemos fazer para que isto não aconteça.
Vamos dar a essas crianças um amor maior ainda.

6.
E a criança nasceu
E vai desabrochar como
Uma flor,
Uma árvore,
Um pássaro,
EUma flor,
Uma árvore,
Um pássaro
Precisam de amor – a seiva da terra, a luz do Sol.
De quanto amor a criança não precisará?
De quanta segurança?
Os pais e todo o Mundo que rodeia a criança
Vão participar na aventura
De uma vida que nasceu.
Maravilhosa aventura!
Mas se a criança não tem família?
Ela tê-la-á, sempre: numa sociedade justa
Todos serão sua família.
Nunca mais haverá uma criança só,
Infância nunca será solidão.

7.
E a criança vai aprender a crescer.
Todos temos de a ajudar!
Todos!
Os pais, a escola, todos nós!
E vamos ajudá-la a descobrir-se a si própria
E os outros.
Descobrir o seu mundo,
A sua força,
O seu amor,
Ela vai aprender a viver
Com ela própria
E com os outros:
Vai aprender a fraternidade,
A fazer fraternidade.
Isto chama-se educar:
Saber isto é aprender a ensinar.

8.
Em situação de perigo
A criança, mais do que nunca,
Está sempre em primeiro lugar...
Será o Sol que não se apaga
Com o nosso medo,
Com a nossa indiferença:
A criança apaga, por si só,
Medo e indiferença das nossas frontes...

9.
A criança é um mundo
PreciosoRaro.
Que ninguém a roube,
A negoceie,
A explore
Sob qualquer pretexto.
Que ninguém se aproveite
Do trabalho da criança
Para seu próprio proveito.
São livres e frágeis as suas mãos,
Hoje:
Se as não magoarmos
Elas poderão continuar Livres
E ser a força do Mundo
Mesmo que frágeis continuem...

10.
A criança deve ser respeitada
Em suma,
Na dignidade do seu nascer,
Do seu crescer,
Do seu viver.
Quem amar verdadeiramente a criança
Não poderá deixar de ser fraterno:
Uma criança não conhece fronteiras,
Nem raças,
Nem classes sociais:
Ela é o sinal mais vivo do amor,
Embora, por vezes, nos possa parecer cruel.
Frágil e forte, ao mesmo tempo,
Ela é sempre a mão da própria vida
Que se nos estende,
Nos segura
E nos diz:
Sê digno de viver!
Olha em frente!


ALGUM POEMA


RAREANDO
(D. Gerber)

Rápido, rápido, rápido


Reis e rastros


Rasos rápidos


O rasgo rasteiro


Paixão proibida


Razão inibida


Rendida


Rodando, rodando...


Ai, que tonteira!


Vermelho, vermelho, vermelho


Voz, devaneio,


Viveiro


Volare


Sou prisioneiro!


O tempo,O tempo,O tempo,


Trazendo, levandoMomentos.


Temores...


Paixão correndo


E indo, sorrindo


No rio, no vento


Caindo


Leve, plumando


Rumo à baía


Na vida:


O amor.

PPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPP



A TELA
(D. Gerber)

Água viva


No meu corpo a tua chama


De rir quando tua voz canta


Tudo inflama!


Movimentos, sopros


Soltos, silêncios...


Cheiro de ar


No mar, no ar


Cheiro de terra,


Junto ao teu fogo,


Teu gozo


A tela vislumbra arte...


Sensações de uma tarde


O amor a derramar-se


Na noite e no dia


Transformando a vida


Mera e pálida


Em rainha magnífica,


Na qual percebemos


A exuberância da Deusa


Que de um pouco


Traduz o tremorDeste amor inexplicável


PPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPP


{ Rio de Janeiro,15 de dezembro de 2005. / Por D. Gerber }

BALADAS DO ASFALTO & OUTROS BLUES

Zeca Baleiro
Baladas do Asfalto
& outros blues

BALADA DO ASFALTO (Zeca Baleiro) / ESCRITO SOBRE ESCRITO (Daline Gerber)

Balada do Asfalto
Zeca Baleiro

Me dê um beijo, meu amor
Só eu vejo o mundo com meus olhos
Me dê um beijo, meu amor
Hoje eu tenho cem anos, hoje eu tenho cem anos
E meu coração bate como um pandeiro num samba dobrado
Vou pisando asfalto entre os automóveis
Mesmo o mais sozinho nunca fica só
Sempre haverá um idiota ao redor
Me dê um beijo, meu amor
Os sinais estão fechados
E trago no bolso uns trocados pro café
E o futuro se anuncia num out-door luminoso
Luminoso o futuro se anuncia num out-door
Há tantos reclames pelo céu
Quase tanto quanto nuvens
Um homem grave vende risos
A voz da noite se insinua
E aquele filme não sai da minha cabeça
E aquele filme não sai da minha cabeça
Rumino versos de um velho bardo
Parece fome o que eu sinto
Eu sinto como se eu seguisse os meus sapatos por aí
Eu sinto como se eu seguisse os meus sapatos por aí
Há alguns dias atrás vendi minha alma a um velho apache
Não é que eu ache que o mundo tenha salvação
Mas como diria o intrépido cowboy, fitando o bandido indócil
A alma é o segredo, a alma é o segredo
A alma é o segredo do negócio.


Escrito sobre escrito (inspiração de um fim de tarde)


Insatisfação das pobres almas que compram e se vendem por um sonho barato, um sonho, uma insatisfação. A felicidade no out-door, o filme que emociona e que compramos, vendemos, divulgamos... Me dê um beijo, meu amor, para que eu possa esquecer que a minha alma insaciável é o segredo do negócio, do teu negócio, da mídia, do out-dour... O meu negócio é parecido com o da hipocrisia... Uso meu computador, fico triste, ando pela estrada e me descubro irremediavelmente dentro do que tanto repudio. Não é que eu ache que o mundo tenha salvação, mas é que agora eu descobri que a insatisfação que plantam em mim é a alma do negócio. Isso já faz uma diferença.





{ Rio de Janeiro,15 de dezembro de 2005. / Por D. Gerber }


quarta-feira, dezembro 14, 2005

COMEÇO DE UM FIM DE TARDE



Como uma borboleta que tenta pousar leve no arco-iris, eu, que entardeço no amanhecer, que amanheço, amanheço, amanheço... descubro em tudo o que adormeço e desperto que eu sou um ponto sem luz com o brilho interno dos poetas, poetas, poetas... este cheiro de tudo, de nada navega em meus pulmões, como o perfume do orvalho inebriante da manhã. Inesquecível.
{ Rio de Janeiro,14 de dezembro de 2005. / Por D. Gerber }


Poética I
Vinicius de Moraes

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

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