sexta-feira, julho 10, 2009

Comparações interpretativas dos textos
“Diante da lei” e “A Metamorfose” de Kafka

Daline Rodrigues Gerber, 2004.


Em A metamorfose, no trecho onde Gregor diz em pensamento a si mesmo: “Antes de soar sete e quinze, tenho de ter deixado a cama por completo e sem falta. A demais, até lá já terá vindo alguém da firma para perguntar por mim, porque a firma é aberta antes da sete das sete horas”. Gregor era um homem preocupado com suas obrigações, nesse sentido podemos compará-lo com o personagem de Diante da lei, pois nos dois casos o homem está diante de regras pré-estabelecidas e tem de se posicionar de alguma forma frente a isto. Nos dois casos, o homem escolhe traçar um caminho que é comum a todos que seguem a mesma lei e regras.

No caso do personagem Gregor, podemos observar sua preocupação excessiva em não deixar de fazer o que está na conformidade do dia-a-dia. Mudar regras como a de acordar cedo, trabalhar, bater cartão, manter obediência ao patrão é sair do padrão, ir contra ao comum e isso Gregor não cogita, está acostumado a ser o homem padrão, automatizado, aquele que não se arrisca a olhar para o seu futuro e o da humanidade. Sem se dar conta, homens como Gregor, antes de serem o que são, passam por escolhas e traçam um caminho, ou seja, escolhem seus destinos. O camponês de Diante da lei passa por essa escolha, a escolha de traçar seu próprio destino ou de deixar a lei o traçar. Gregor e camponês, por submissão, acomodação continuam estáticos sem a reação de mudar nada.

Gregor é o bom filho, automatizado, acostumado com sua situação quase que desumana, sem tempo para sua individualidade, sem meta, sem alvo e não se sente incomodado com isto, pois passou por um processo anterior escolar e social que admite, estimula e aprova homens com esta característica, todo um sistema que vista sugar do homem sua energia. Assim como vimos em Matrix, as industrias, empresas grandiosas e poderosas são como máquinas esperando a próxima “pilha” formada pela escola, que é uma das instituições manipuladas e, de certa forma, idealizada pelo governo. A escola, infelizmente, é um meio de manter controle indiretamente sobre o imaginário coletivo e formar mentes e condutas padronizadas.

O camponês de Diante da lei também funciona como uma espécie de pilha alimentando uma lei instituída e estabelecida por pessoas acima dele, ou seja, o poder. O camponês não avança nem interage com a lei, apenas a espera. Ele não tem consciência do que pode ser feito e “sonha” com a possibilidade de entrar nesta lei, com a finalidade de que ela aja em sua vida de maneira positiva. Mas o que ele não sabe é que a lei já possui sua lista de beneficiados, por isso ela o exclui. Se ele quisesse uma lei que o beneficiasse, ele teria que construí-la, arriscar-se pela sua lei e justiça. Depois que o camponês torna-se uma “pilha” velha e quase sem energia, além de não poder mais lutar por si, também não pode servir para o sistema de lei já constituído, sua energia e seu tempo já foram todos sugados. E, como por deboche, o guarda, aquele que aparece no conto como o menor poder do sistema, diz ao velho camponês que vá embora, pois agora está inutilizado, não serve para lei e o joga no “lixo” como uma pilha imprestável.

Toda essa temática de “Diante da lei” pode ser associada com “A metamorfose”. Lembremos o final de “A metamorfose”: Gregor não serve mais para alimentar o sistema, virou um inseto cheio de impossibilidades, não produz como antes, não tem capital para ajudar a alimentar a sobrevivência dos pais, sua família vê-se capaz de sobreviver sem ele, ou seja, está morto para a sociedade e para a família, só falta parar de respirar que é o que faz no final do livro. É uma nova “pilha” jogada no lixo.

Comente: Postar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?